Enquanto lia o livro “Year Of Yes”, da Shonda Rhimes, onde ela recorda a capacidade dela em criar e se divertir dentro de uma pequena dispensa na casa dos pais dela, me peguei viajando pelas minhas milhares de memórias da minha infância.
Não foi algo muito diferente ou chocante pra mim, já que sempre que eu vejo uma criança ou um bebê, meus olhos ficam hipnotizados – eu amo. Eu pareço uma imbecil babando e soltando sons com a voz analada, como “awn, own, que titico, que lindo, que fofo”.
E eu sempre reparo na capacidade das crianças em se divertirem com absolutamente tudo. E quando eu digo tudo, é tudo mesmo. Eu podia passar o dia no closet dos meus pais, subindo pelas prateleiras, descobrindo roupas, sapatos, acessórios e objetos escondidos. Com uma amiga, passávamos dias brincando com os restos da obra da casa dela. Sim, a gente cozinhava com areia, pedras, telhas… O que fosse. E era o máximo!
Eu era campeã em inventar jogos e brincadeiras com os meus irmãos. Afinal, eu tenho três. Mais novos. Eu era quase que a tia do acampamento. “Sara, inventa uma brincadeira pra gente.” E lá ia eu, toda feliz. Eu estabelecia circuitos pelo jardim ou condomínio que eles tinham que percorrer até ganhar a competição. E isso incluía escalar árvores, passar por baixo de galhos, subir em cordas… Não pense que era algo simples. Eu me entregava ao negócio, eu literalmente construía obstáculos pelo terreno, colocava detalhes nas missões. Prendia o triciclo de criança em uma corda e amarrava em uma árvore no topo do barranco e jogava meu irmão de dois anos lá de cima. Não era difícil se divertir naquela época. E a criatividade não tinha limites.
Meu sonho sempre foi ser espiã, agente secreta. As Panteras, Três Espiãs Demais e qualquer outro filme ou desenho de espiões era delirante pra mim. Logo após assistir eu vestia uma roupa toda preta, colocava a única bota – que era de couro – que eu tinha – que eu acho que foi comprada com esse propósito, inclusive – e saía pelo jardim em uma missão. Eu me jogava no chão, rolava na grama, me escondia atrás de árvores e paredes, entrava na sala pela janela, subia nas grades… Sozinha. Mas olha, eu estava sendo ameaçada de morte, meu inimigo não podia me ver, eu quase que tinha poderes. Eu lutava, eu era uma ninja. O terreno da minha casa era o meu mundo, eu acho que até chegava a ver coisas por ali. Usava um celular antigo e quebrado como comunicador, colocava meus óculos de visão raio X e cumpria a minha missão.
Para uma criança não tem tempo ruim. Se está chovendo, corre pra chuva. Se só tem um lápis, luta com ele, escreve na parede. Criança se diverte até com lixo, até com um risco no meio da rua. Criança inventa e se reinventa a todo segundo.
Porque a gente perde isso com o tempo? Porque a vida ficou séria?
Seria porque tem que pagar contas? Porque temos que trabalhar? Cumprir aquele horário chato todos os dias? Qual é a grande dificuldade em se divertir e se contentar com pouco?
Sim, se contentar com pouco. E quando eu digo se contentar com pouco não estou dizendo que temos que viver sempre ficando feliz com o mínimo, mas ter a capacidade de se divertir e ser feliz quando não temos muitas opções. E mais do que isso, não levar a vida tão a sério.
Eu sempre fui tranquila, bem tranquila com as coisas da vida, sempre acreditei que não importa o que aconteça, as coisa vão se ajeitar no final. E se não acertar, o que adianta eu ficar me preocupando antes? Melhor chorar só quando tiver que chorar, certo?
No trabalho, cansei de ver as pessoas se descabelando por coisas que cara… Não precisa. O cliente não vai te matar, o mundo não vai acabar, você não vai morrer. Tá tudo bem. Tá tudo bem. Sério.
Que tal rir um pouco das nossas desgraças? Que tal andar pela lateral da calçada se equilibrando que nem um equilibrista? Que tal andar chutando pedrinhas pela rua? Que tal lembrar de algo engraçado e rir no meio da rua? Que tal ouvir uma música tocando a quilômetros de distância e dançar sozinha na frente de mil pessoas que você nem conhece? A vida foi feita pra isso. Não pra ficar sério, se preocupar, achar bobeira em se divertir.
Quando alguém me fala, “nossa sara, você parece uma criança”, enquanto eu estou fazendo algo “idiota”, eu vejo como algo maravilhoso. Olha, ainda bem que eu pareço alguém que consegue se divertir com nada, ainda bem que pareço alguém que simplesmente é. Que não se preocupa com o que os outros vão pensar. Ainda bem que eu pareço uma criança.
O mundo precisa de mais crianças.
Quem sabe se você se permitir ser um pouco mais “bobo”, a criatividade não venha com mais facilidade? Quem sabe se você não levar as coisas tão a sério, você não perceba que de fato as coisas não são tão sérias?
Não tem problema em cair, não tem problema em errar. O mundo não vai acabar se você não conseguir. A gente sempre tem o amanhã pra tentar de novo.
E mais do que isso, a gente sempre tem um motivo pra se divertir. Até mesmo com um lápis. O que você faria com um lápis?