Antes de vir morar em Portugal, fiz uma limpa nas minhas coisas, vasculhei objetos velhos que eu ainda guardo por ter muito sentimento envolvido. Entre eles, muitos diários. Li alguns trechos de todos eles, o primeiro era de quando eu tinha uns 12 anos. O que uma criança de 12 anos fala no seu diário? Eu, basicamente reclamava dos meus pais e falava sobre meus amigos, me questionava se eu estava mesmo gostando do tal menino. Até mandei uma foto do diário pro menino, que hoje é um dos meus melhores amigos. Quando eu estava brava com meus pais, riscava as folhas com força, fazia rabiscos. Fazia círculos indicando quem eram minhas melhores amigas. Coisas de criança.
Meus diários sabem de mais coisas do que eu mesma
Sempre tive uma espécie de diário durante toda a minha vida, principalmente na adolescência. Dos 14 aos 18 anos eu mantive diários fiéis, escrevendo praticamente todos os dias. Os meus primeiros relacionamentos estão todos documentados, se um dos meus ex namorados me perguntar algo, pode ter certeza que eu posso recordar exatamente o que aconteceu em determinada situação. Quando eu estava feliz, escrevia. Quando estava triste, escrevia muito. Quando estava brava, praticamente gritava nas folhas do caderno. Se uma viagem era marcada, já escrevia no canto das folhas: “Ceará”, “Carnaval”, “Ano Novo”. Os aniversários dos meus melhores amigos estavam todos anotados no diário, com uma foto e mensagem sobre a pessoa.
Quando tinha 16, 17 anos, fiz intercâmbio pros EUA e escrevi no meu diário todos os dias, sem falha. Ele era como um melhor amigo. Não foram meses fáceis pra mim e chegar em casa, entrar no meu quarto e poder escrever e me conectar comigo mesma e com meus sentimentos era quase como um ritual que me fazia se sentir melhor, que me dava forças. Eu terminei um relacionamento durante meu intercâmbio com uma pessoa que estava no Brasil e eu lembro que chorei sem parar por dois dias, mas no terceiro escrevi “eu não vou mais sofrer por causa dele”. E eu realmente não sofri mais. Foi quase como se tivesse engolido e deixado aquilo pra trás. As palavras me deram força. Se eu estou prometendo isso pro meu diário e pra mim mesma, eu preciso cumprir.
Mais intimidade do que com qualquer um
Se eu folhear qualquer um desses cadernos, posso encontrar no início dos meus textos frases como: “você não acredita no que aconteceu!”, “faz tempo que eu não venho aqui, né?”, “tenho tanta coisa pra contar!”. Sério, ele era meu brother. Todos eles. Eles sabem de mais coisa do que muitas das minhas melhores amigas.
Hoje em dia, eu não tenho o costume de escrever todos os dias, mas toda semana, pelo menos. E o tom das mensagens conversando diretamente com o diário continua. Querendo ou não, é como se estivéssemos conversando com nós mesmos. E de você mesmo, pra que ter vergonha ou medo de contar qualquer coisa?
Chega de chorar, vamos sonhar!
Ano passado conheci uma amiga no restaurante que trabalhava que me disse que tinha um “caderninho da lua nova”, onde toda lua nova ela escrevia o que ela queria, o que aconteceria, o que ela faria. (pra quem não sabe, a fase da lua nova é um ótimo período pra iniciar qualquer coisa.) “Esse mês eu vou conseguir um emprego melhor”, “vou para a academia todos os dias”, “vou ganhar muito dinheiro”, “vou ser mais otimista com a vida”. Frases afirmativas e positivas do que ela queria que acontecesse. E isso me fez pensar.
Querendo ou não, eu sempre escrevo quando mais preciso colocar sentimentos pra fora, principalmente angústias, desabafos, medos, segredos, decepções, raiva… O bichinho estava sempre sobrecarregado com as piores notícias. Quando estamos felizes, não sentimos tanto a necessidade de “desabafar”. Mas quando estou triste, eu preciso escrever. Ler alguns dos meus diários é quase como entrar em um buraco negro, em algumas fases, parecia que a minha vida era horrível. Sendo que era longe disso! A minha vida sempre foi muito boa, não tenho do que reclamar. E foi aí que decidi usar o meu diário de outra forma. Dando mais atenção às coisas boas e à gratidão.
Se preciso muito escrever e colocar algo pra fora, é claro que escrevo, mas eu tenho tentado procurar uma solução para os problemas, ao invés de somente reclamar e gritar no papel. Afinal, de que adianta se lamentar e não fazer nada pra mudar a realidade, né? Se tive uma semana ruim no trabalho ou fiquei doente, escrevo que vou me cuidar melhor, me preocupar menos com o que outras pessoas fazem, comer coisas saudáveis… Enfim. Além disso, em momentos ruins, tento lembrar das coisas boas. Se você folhear o meu diário, vai encontrar muitos desenhos e “obrigados” escritos. Eu também deixo mensagens positivas nas folhas “do futuro” pra quando chegar lá, encontrar uma palavra amiga. “Confie em você”, “Lembre do que te faz bem”. Eu sempre fui tão positiva, amo dar conselhos e ser um ombro amigo, porque não fazer isso comigo mesma, certo?
Tento escrever tudo no positivo, sem colocar a palavra “não” nas coisas. Por exemplo, ao invés de escrever “eu não aguento mais isso, não sei se vou conseguir”, escrevo “eu vou conseguir superar isso e ser muito feliz”. Já muda completamente, né? Se escrever no diário é como conversar comigo mesma, porque eu diria que não vou conseguir superar algo? Que nunca vou sair de uma situação ruim? Que não tenho mais dinheiro? Eu escrevo eu vou conseguir, que sou forte, que vou dar o meu melhor e me tornar o meu melhor.
Hoje a minha relação com o meu diário mudou bastante, eu não vejo mais ele como um lugar somente pra desabafar e choramingar, mas como um psicólogo, uma força! É onde eu vou deixar o “não” de lado e pensar em soluções, onde vou agradecer às coisas boas que tenho, colocar meus sonhos e desejos pro futuro. Hoje eu prometo coisas pra ele, se digo que vou escrever todos os dias, eu escrevo. Não cumprir a minha palavra para com ele é como mentir pra mim mesma.
Ele não é mais aquele amigo que ouve calado e consente, mas aquele que me dá um tapa nas costas, um chute na bunda e fala “VAI, MULHER, VOCÊ CONSEGUE!”